Coisas que Acontecem



 

Paulo Lima Trindade
JORNAL A GAZETA – Vitória (ES) – 15/07/1969

Sete horas da manhã. Uma segunda-feira de junho alegre e comunicativa, com o sol resplandecendo em calor, ao longo das ruas e avenidas, e por sobre as cumeadas dos edifícios.
Na praça Duque de Caxias, em Vila Velha, o burburinho é intenso: gente que vai, gente que vem. As alamedas bem limpas, os canteiros bem cuidados. Flores em profusão. Meninas-moças, colegiais do São José, na euforia da sua deslumbrante mocidade, desfilando por ali, belas e joviais
com as blusinhas azuis, farfalhando ao suave toque da brisa matutina. Futuras professoras, quem sabe, com as cabecinhas cheias de sonhos, muitos deles já na prancha das realizações: casamento, concursos de beleza, manchetes, empregos bem remunerados! Tudo é possível, quando se associam à mocidade, a beleza, a inteligência e a cultura. Por enquanto, na mudez daqueles cenários maravilhosos apenas são elas as flores que falam, nas alamedas... Falam demais, pensam de menos...
Sete horas da manhã, na praça. Muita gente correndo para apanhar o coletivo no ponto da esquina. Caminhões que chegam das bandas da Barra do Jucu, trazendo operários para o trabalho.
Moradores das imediações, dirigindo-se à panificadora próxima, para apanhar o pão matinal. Em sua maioria, aposentados, para quem há muito, já se foi a obrigação de saber que o relógio está marcando realmente sete horas.
Abrem as primeiras portas comerciais. Muitos artigos são levados para frente, em condições de serem vistos pela gente que passa. O povo parece sem dinheiro àquela hora da manhã...
Muita gente continua andando, daqui para ali e de lá para cá. Uns sem nenhuma pressa, outros apressados demais. Uma senhora chega a atravessar a rua sem olhar para o lado. Nisso, vem um caminhão, quase a atropelou! Estando no outro lado, parou e voltou ao ponto inicial... Correu para nada, arriscando tudo. Coisa doida. Um sujeito maltrapilho, evidentemente de fora, chegou-se a mim, pedindo uns trocados. Queria tomar café. Disse que era do interior e estava tentando arranjar um trabalho. Estava difícil, porque não possuía documentos e não tinha conhecidos no lugar.
Arranjei-lhe uns quebrados e fiquei matutando: Que adianta ficar olhando as garotas que passam, se no bolso o "tutu" não é nenhum... Se eu fosse aquele sujeito, pensei, adiava para outra oportunidade aquele reconfortante devaneio do espírito, ia adiante, a cata de outros cenários onde, trabalhando, pudesse melhorar as condições do meu estômago!...
Primeiro, dinheiro no bolso, depois então, beleza para os olhos, para o espírito e até para o coração, se Deus ajudar!
FIM

Nenhum comentário: